A palavra “liturgia” vem do grego λειτουργεω (leitourgeo). No Novo Testamento, λειτουργεω não tem absolutamente nada haver com uma uma “ordem estabelecida de culto”. A “liturgia” neotestamentária é bem diferente da “liturgia” do catolicismo romano, herdada pelo evangelicalismo moderno. Na Bíblia, liturgia é o ato de ministrar (que no NT quer dizer “servir”) diante de Deus. Este serviço inclui, mas não se limita, à oração e ao jejum. Λειτουργεω se extende à ajuda mútua entre os membros do Corpo de Cristo e servir os necessitados com nossas finanças.
A Reforma Protestante tratou com a questão doutrinária, mas não com a questão litúrgica na mente das pessoas. Mais de um milênio de tradição religiosa transformou a “liturgia” em uma tediosa e previsível “ordem de culto” a ser seguida semanalmente. Mas, nas palavras do escritor Arthur Willis:
Liturgias, antigas ou modernas, escritas ou não, são uma ferramenta humana para manter as engrenagens religiosas rodando, reproduzindo o costumeiro, ao invés de exercitar a fé na presença imediata e operação do Espírito.
Em algum ponto da história da Igreja, as pessoas começaram a entender que “igreja” é um lugar onde se vai aos domingos para se assistir uma performance religiosa, conduzida por cantores e pregadores profissionais (mediante o pagamento de uma pequena oferta). Chega a ser uma ofensa à obra expiatória de Cristo pensar que a multiforme sabedoria de Deus se resume em semanalmente colocar algumas pessoas sentadas em um salão que, enquanto inertemente olham para a nuca de seu próximo, são mecanicamente guiadas por um ministro de louvor ou pregador profissional. Estes, para tornar a coisa um pouco mais descontraída, utilizam-se daqueles chavões evangélicos do tipo: “Olhe para o seu irmão e diga …”. Infelizmente, estes odiosos chavões parecem ser a única alavanca na máquina litúrgica que produz momentos de interação entre os membros do Corpo de Cristo.
Os pentecostais por muito tempo se gabavam dizendo que tinham o poder de Deus e que não eram como os batistões tradicionais. Diziam eles (e provavelmente alguns ainda dizem) que não tinham liturgia e que tudo era espontâneo. Talvez isso tenha sido verdade um dia, lá na Rua Azuza. Mas como alguém que já esteve dos dois lados desta “peleja”, digo que a única diferença entre pentecostais e tradicionais é que alguns pentecostais já memorizaram sua ordem de culto, e não a escrevem no papel.
A idéia de que temos que “oferecer um culto” a Deus – ao invés de permitir que Deus se mova espontaneamente no ajuntamento – beira à supersticiosa prática católica de repetidamente “oferecer um sacrifício” a Deus (por meio da eucaristia), com a diferença de que ao invés da hóstia, temos agora o sermão ocupando o epicentro de nossa liturgia religiosa. Liturgias, como concebidas e praticadas na Igreja moderna, são um atentato à espontaneidade do Espírito Santo (1 Cor. 14:26).
Ficar parado por duas horas ouvindo um único indivíduo pregar, domingo após domingo, além de ser entediante é um crime cometido contra a multiforme sabedoria de Deus. Na Igreja Primitiva havia reuniões de ensino e treinamento, mas havia também ambientes informais onde os santos se juntavam em menores números para operar em intercâmbio de graça, pela manifestação da variedade de dons espirituais depositadas no Corpo pelo Espírito de Deus. Celebrações com um número maior de pessoas, que necessariamente demandam algum tipo de “programa”, são boas e necessárias para o Corpo de Cristo em uma cidade, desde que não resumamos nossa vida e convívio cristãos a estes eventos. Devemos ver tais celebrações somente como uma consequencia da comunhão e do serviço dos santos no dia a dia, ao invés de transformar este evento domingueiro na obra de Deus em si (como acontece na maioria das Igrejas – que assim fazendo “colocam o carro na frente dos bois”).
Às vezes percebo como algumas crianças ficam inquietas depois de algum tempo nos cultos de domingo. Algumas comunidades adotaram uma solução inteligente: o “cultinho”. Identifico-me com estas crianças inquietas e fico desesperado em saber que não há cultinhos para adultos.
A liturgia conseguiu transformar as boas novas do Evangelho em coisas boas que ficaram velhas. A repetitiva maratona de palestras bíblicas, que a Igreja chama de sermão, traz as mesmas coisas de sempre, parafraseadas. Cabe ao palestrantre aliar seu “charme” à criatividade para colocar um vestido de seda diferente na mesma macaca de sempre. A propósito, quando foi que substituímos a Árvore da Vida pela Árvore do Conhecimento?
Quando leio o Novo Testamento vejo a simplicidade e a espontaneidade com a qual a Igreja Primitiva se reunia, e como os membros do Corpo se edificavam mutuamente. Sim, havia problemas e abusos, já naqueles tempos, mas também havia graça. Hoje, os problemas e os abusos continuam, mas a coisa está literalmente sem-graça.
A Igreja moderna está sedimentada no formalismo institucional que, por sua vez, está estruturado de tal maneira que sua órbita sempre se dê em torno destes tediosos eventos litúrgicos. A Noiva morre de tédio porque perdeu a espontaneidade e o enfoque da verdadeira litugia: servir diante de Deus com nossos dons espirituais e nossas posses. Quero ver, em minha geração, a Igreja ser devolvida a seu verdadeiro dono; ajuntamentos onde o homem assiste e Deus faz e não onde o homem faz e Deus assiste.
Recuperaremos o gozo quando voltarmos a ser espontâneos e genuínos, quando reaprendermos a canalizar nossos dons e talentos fora deste ambiente onde a mão do homem controla todas as coisas. Quando voltarmos a ser uma Igreja missional, que vive em função do servir e não do observar. Quando deixarmos de lado esta prática ensimesmada, que sempre gira em torno de nossa própria sobrevivência institucional, pelo infinito ciclo vicioso dos programas religiosos. Quando deixarmos de praticar uma fé passiva e individualista que se vicia na cocaína do ativismo religioso, para então praticar uma fé coletiva, de comunhão, de estar juntos, de partir o pão, de servir-se mutuamente (com nossos dons e com nossas posses). Quando reaprendermos a juntos ministrar diante de Deus (liturgia) de forma espontânea, sem depender do carisma de animadores de plateia, rompendo com as amarras litúrgicas que aprisionam nossa mente. Quando juntas e ligamentos estiverem conectados para operar no intercâmbio de graça que produz a multiforme (ou multicolorida) sabedoria de Deus na terra.
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A Reforma Protestante tratou com a questão doutrinária, mas não com a questão litúrgica na mente das pessoas. Mais de um milênio de tradição religiosa transformou a “liturgia” em uma tediosa e previsível “ordem de culto” a ser seguida semanalmente. Mas, nas palavras do escritor Arthur Willis:
Liturgias, antigas ou modernas, escritas ou não, são uma ferramenta humana para manter as engrenagens religiosas rodando, reproduzindo o costumeiro, ao invés de exercitar a fé na presença imediata e operação do Espírito.
Em algum ponto da história da Igreja, as pessoas começaram a entender que “igreja” é um lugar onde se vai aos domingos para se assistir uma performance religiosa, conduzida por cantores e pregadores profissionais (mediante o pagamento de uma pequena oferta). Chega a ser uma ofensa à obra expiatória de Cristo pensar que a multiforme sabedoria de Deus se resume em semanalmente colocar algumas pessoas sentadas em um salão que, enquanto inertemente olham para a nuca de seu próximo, são mecanicamente guiadas por um ministro de louvor ou pregador profissional. Estes, para tornar a coisa um pouco mais descontraída, utilizam-se daqueles chavões evangélicos do tipo: “Olhe para o seu irmão e diga …”. Infelizmente, estes odiosos chavões parecem ser a única alavanca na máquina litúrgica que produz momentos de interação entre os membros do Corpo de Cristo.
Os pentecostais por muito tempo se gabavam dizendo que tinham o poder de Deus e que não eram como os batistões tradicionais. Diziam eles (e provavelmente alguns ainda dizem) que não tinham liturgia e que tudo era espontâneo. Talvez isso tenha sido verdade um dia, lá na Rua Azuza. Mas como alguém que já esteve dos dois lados desta “peleja”, digo que a única diferença entre pentecostais e tradicionais é que alguns pentecostais já memorizaram sua ordem de culto, e não a escrevem no papel.
A idéia de que temos que “oferecer um culto” a Deus – ao invés de permitir que Deus se mova espontaneamente no ajuntamento – beira à supersticiosa prática católica de repetidamente “oferecer um sacrifício” a Deus (por meio da eucaristia), com a diferença de que ao invés da hóstia, temos agora o sermão ocupando o epicentro de nossa liturgia religiosa. Liturgias, como concebidas e praticadas na Igreja moderna, são um atentato à espontaneidade do Espírito Santo (1 Cor. 14:26).
Ficar parado por duas horas ouvindo um único indivíduo pregar, domingo após domingo, além de ser entediante é um crime cometido contra a multiforme sabedoria de Deus. Na Igreja Primitiva havia reuniões de ensino e treinamento, mas havia também ambientes informais onde os santos se juntavam em menores números para operar em intercâmbio de graça, pela manifestação da variedade de dons espirituais depositadas no Corpo pelo Espírito de Deus. Celebrações com um número maior de pessoas, que necessariamente demandam algum tipo de “programa”, são boas e necessárias para o Corpo de Cristo em uma cidade, desde que não resumamos nossa vida e convívio cristãos a estes eventos. Devemos ver tais celebrações somente como uma consequencia da comunhão e do serviço dos santos no dia a dia, ao invés de transformar este evento domingueiro na obra de Deus em si (como acontece na maioria das Igrejas – que assim fazendo “colocam o carro na frente dos bois”).
Às vezes percebo como algumas crianças ficam inquietas depois de algum tempo nos cultos de domingo. Algumas comunidades adotaram uma solução inteligente: o “cultinho”. Identifico-me com estas crianças inquietas e fico desesperado em saber que não há cultinhos para adultos.
A liturgia conseguiu transformar as boas novas do Evangelho em coisas boas que ficaram velhas. A repetitiva maratona de palestras bíblicas, que a Igreja chama de sermão, traz as mesmas coisas de sempre, parafraseadas. Cabe ao palestrantre aliar seu “charme” à criatividade para colocar um vestido de seda diferente na mesma macaca de sempre. A propósito, quando foi que substituímos a Árvore da Vida pela Árvore do Conhecimento?
Quando leio o Novo Testamento vejo a simplicidade e a espontaneidade com a qual a Igreja Primitiva se reunia, e como os membros do Corpo se edificavam mutuamente. Sim, havia problemas e abusos, já naqueles tempos, mas também havia graça. Hoje, os problemas e os abusos continuam, mas a coisa está literalmente sem-graça.
A Igreja moderna está sedimentada no formalismo institucional que, por sua vez, está estruturado de tal maneira que sua órbita sempre se dê em torno destes tediosos eventos litúrgicos. A Noiva morre de tédio porque perdeu a espontaneidade e o enfoque da verdadeira litugia: servir diante de Deus com nossos dons espirituais e nossas posses. Quero ver, em minha geração, a Igreja ser devolvida a seu verdadeiro dono; ajuntamentos onde o homem assiste e Deus faz e não onde o homem faz e Deus assiste.
Recuperaremos o gozo quando voltarmos a ser espontâneos e genuínos, quando reaprendermos a canalizar nossos dons e talentos fora deste ambiente onde a mão do homem controla todas as coisas. Quando voltarmos a ser uma Igreja missional, que vive em função do servir e não do observar. Quando deixarmos de lado esta prática ensimesmada, que sempre gira em torno de nossa própria sobrevivência institucional, pelo infinito ciclo vicioso dos programas religiosos. Quando deixarmos de praticar uma fé passiva e individualista que se vicia na cocaína do ativismo religioso, para então praticar uma fé coletiva, de comunhão, de estar juntos, de partir o pão, de servir-se mutuamente (com nossos dons e com nossas posses). Quando reaprendermos a juntos ministrar diante de Deus (liturgia) de forma espontânea, sem depender do carisma de animadores de plateia, rompendo com as amarras litúrgicas que aprisionam nossa mente. Quando juntas e ligamentos estiverem conectados para operar no intercâmbio de graça que produz a multiforme (ou multicolorida) sabedoria de Deus na terra.
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Publicado por Hugo em 29/10/09 • Categoria Vinho Novo
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