domingo, 27 de junho de 2010

Carta aberta a meu amigo Gamaliel



Nos artigos que tenho lido a respeito dos “desigrejados”, vejo uma grande diversidade de opiniões. Leio as linhas daqueles que desdenham e reprovam os que trocaram a “Santa Madre Igreja” por uma mera “seita doméstica”. Mas me alegro ao ler também as palavras de alguns líderes denominacionais mais visionários que se expressam solidários àqueles que já não suportam mais certos sistemas de poder e a mecanização institucionalizada da Ekklesia.
Os odres velhos e empoeirados ainda dispõem de muita gente disposta a preservá-los – líderes que condenam qualquer coisa fora de seu arraial institucional que tenha vida e que se mova – ao contrário de suas relíquias centenárias e de alguns crentes empalhados de seus museus religiosos. Já outros, à semelhança de Gamaliel, permanecem na religião institucional de seu tempo, não participam diretamente de nenhuma “revolução”, mas tampouco idolatram odres de qualquer natureza. Estes se expressam com temor e cautela com relação a algo que “pode ser de Deus”. Alguns destes “Gamalieis” têm até mesmo dito na blogosfera que “compreendem os ‘desigrejados’”. E visto ser inútil dialogar com os
CNPJólatras, tomados por sua característica amnésia histórica, dirijo-me então a você, Gamaliel.
Caro amigo Gamaliel, que fique bem claro de uma vez por todas que existe uma diferença entre o fenômeno dos “desigrejados” e a Igreja nos lares.
1 Enquanto os primeiros dizem “amo a Jesus, mas não a Igreja”, os cristãos que se reúnem nos lares dizem “amamos a Cristo e por isso amamos a Igreja (pois Ele e a Igreja são um), somente não aceitamos suas vestes greco-romanas”. Enquanto os primeiros defendem um estilo de vida errante e solitário, os cristãos que se reúnem nos lares se esforçam por encarnar um estilo de vida comunitário, crendo que a vida em comunidade é a representação fiel da Ekklesia bíblica. Enquanto os primeiros vivem uma “espiritualidade sem compromisso”, característica da pós-modernidade, os que se reúnem nos lares acreditam que o discipulado por relacionamento é essencial para a vida da Igreja, e que este ambiente de compromisso e sujeição mútuos é o habitat natural do cristão, na mesma intensidade em que a água é para o peixe (fora dela ele morre de boca aberta).
A propósito, Gamaliel, muitos daqueles que se reúnem nos lares saíram das denominações justamente porque sua experiência de institucionalismo cristão, com sua maratona de programas religiosos e suas igrejas McDonalds (onde as pessoas se reúnem para “comer”, mas não cultivam relacionamentos entre si ), já não proporcionava mais este ambiente nativo e essencial à vida da Ekklesia. Muitos estavam nas denominações como peixes morrendo de boca aberta no Rio Tietê, imersos em algo que parecia água, mas que já não tinha H2O.
Portanto, Gamaliel, com todo respeito e genuina consideração à sua salutar sapiência, “desigrejados” são aqueles que não têm Igreja, sem teto, sem terra e sem casa espiritual. A Igreja nos lares não é composta por um bando de errantes desigrejados e não deve jamais aceitar este rótulo. Ou até mesmo você , Gamaliel, vai confudir a Igreja católica com a Igreja Católica? Ou a Igreja universal com a Igreja Universal?
Talvez você não pense assim, mas chamar aqueles que se reúnem nos lares de desigrejados (que quer dizer “desprovido de igreja”) é fruto de uma ignorância minimalista que limita a Igreja de nosso Senhor aos arraiais institucionais – um reducionismo insano, bíblica e historicamente falando – algo inaceitável para você, Gamaliel, que conhece tão bem a Bíblia e a história da Igreja.
Lembra, Gamaliel, de que a Ekklesia começou como uma rede informal de Igreja nas casas e não como uma organização? De que certas estruturas e pedigrees institucionais emergiram somente com o passar dos séculos? E de que há uma grande probabilidade, Gamaliel, de que a instituição da qual você faz parte seja o monumento histórico de algum grupo dissidente que um dia foi considerado tão “desigrejado” quanto a Igreja nos lares dos dias de hoje?
Diz o oráculo que é bem aventurado aquele que não se condena naquilo que aprova. Portanto, Gamaliel, aconselho que deixe de se utilizar de certos jargões característicos dos CNPJólatras, para que seu discurso faça mais jus à flexibilidade e à ampla visão espiritual que você parece demonstrar.
E, por favor, desculpe-me por chamá-lo de Gamaliel, caso o tenha ofendido. Pela desenvoltura que demonstra ter, imagino que você seja um homem de Deus que está frutificando no lugar onde o Senhor o plantou, pois está atento à manifestação da MULTIFORME sabedoria de Deus nos dias atuais. Ao chamá-lo de Gamaliel não quis comparar você a um fariseu melhorado, ou a sua Igreja à uma sinagoga. Minha intenção foi somente demonstrar a alguém de cabeça aberta, assim como você, como alguns rótulos podem soar beligerantes, às vezes.
Nota
[1] Para entender a diferença entre o pós-igrejismo e a Igreja nos lares recomendo a leitura desta série de dois artigos de Frank Viola chamada “Cristianismo Pós-Igreja” e um artigo de minha autoria chamado “Peregrinos da Pós-modernidade“. Por estes artigos entende-se, portanto, que a Igreja nos lares não endossa uma prática de “igreja virtual” descomprometida, somente desconstrói algumas tradições que foram agregadas à prática de Igreja.


Por: © Pão & Vinho
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Fonte: http://paoevinho.org/?p=4874



sexta-feira, 25 de junho de 2010

QUANDO O PRÓPRIO DEUS NOS OFENDE




Uma das piores ofensas que podemos sofrer é quando o próprio Deus nos ofende de propósito.

Em 2 Reis 5, lemos a história de Naamã, um general sírio que procurou o profeta Eliseu para ser curado de lepra. Quando Naamã e sua comitiva chegaram à casa de Eliseu, o profeta nem saiu para recebê-los, mas enviou seu criado com as instruções. Naamã teria de executar um procedimento bem simples: lavar-se sete vezes no Rio Jordão.

Entretanto, Naamã ficou ofendido. Por que o próprio profeta não saiu para entregar o recado? Por que as águas lamacentas do Jordão? As Escrituras dizem que Naamã “muito se indignou”.
Um espírito ofendido é um espírito irado, indignado. Nesse caso, Naamã estava bem mais do que irado; estava furioso. Tem alguém que sempre lhe causa uma reação de indignação ou ira? É porque ele ou ela o ofendeu, e você ainda não lhe perdoou.

Naamã ficou ofendido com Eliseu, mas qual foi a verdadeira causa disso? Ouça as suas palavras: “Pensava eu que ele sairia a ter comigo, por-se-ia de pé, invocaria o nome do Senhor seu Deus, moveria a mão sobre o lugar da lepra, e restauraria o leproso” (2 Rs 5.11).

Preste atenção às palavras: “Pensava eu...” Na verdade, Naamã não se ofendeu por causa de Eliseu, mas em virtude de suas próprias expectativas frustradas. Ele, provavelmente, passou várias horas visualizando o momento da cura. Talvez, imaginou até o momento em que testificaria de sua maravilhosa experiência de cura. Quando não aconteceu de acordo com seu plano, ele se sentiu ofendido.

Amigo, antes de o Senhor curá-lo ou permitir que alcance um novo e mais elevado nível de serviço, ele muitas vezes o ofenderá. Por quê? O que é que se ofende dentro de nós? Geralmente, é o orgulho. Buscamos a Deus para receber cura, mas o Senhor não quer apenas nos curar; ele quer que sejamos humildes. Sim, Deus nos cura por meio de nossa fé, mas há ocasiões em que nosso orgulho nos impede de receber a cura, porque não queremos submeter-nos às suas instruções. O Senhor nos ofende para humilhar-nos, a fim de que possa conceder-nos a graça. A fé opera por meio da graça, mas Deus só concede a graça aos humildes.

Observe quantas vezes o Senhor ofendia as pessoas antes de curá-las. Uma vez, chegou a cuspir no chão, fez lodo e colocou-o nos olhos de um cego; depois, ainda ordenou que atravessasse a cidade daquele jeito! Imagine se você estivesse numa fila, esperando oração para ser curado, e visse o que o sujeito à sua frente tinha de fazer. Acho que qualquer um de nós procuraria algum outro ministério de cura divina, um que ofendesse menos!

Em outra ocasião, Jesus comparou uma mulher que não era do povo de Israel a um cachorrinho imundo. Chegou a colocar os dedos nos ouvidos de um homem para curar sua surdez. Antes de curar as pessoas, ele frequentemente as ofendia.

Se aprendêssemos a humilhar-nos na ofensa, descobriríamos que a aparente ofensa era, de fato, uma porta para conduzir-nos ao poder manifesto de Deus. Quando Jesus chamou a mulher cananeia de “cachorrinho”, ao invés de ofender-se, ela disse: “Senhor, porém os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos” (Mt.15.27). Quando Jesus ordenou ao cego que atravessasse a cidade com lodo nos olhos, o homem não discutiu nem pediu um procedimento menos humilhante; submeteu-se e voltou enxergando. Quando Eliseu mandou Naamã lavar-se no Jordão sete vezes, a ofensa feriu o orgulho do general. Contudo, quando se humilhou, a lepra foi substituída pela carne limpa de uma criança. Sua pele tornou-se como a de uma criança porque seu coração, por meio da humilhação, tornou-se como coração de criança.

Talvez, você ainda não tenha recebido sua cura ou intervenção divina porque não quis andar por um caminho que considera muito humilhante. Talvez, precise perder um pouco de sua “dignidade” (orgulho) e ir àquela reunião de gente humilde ou àquele servo ou serva de Deus que tem desprezado e pedir que orem por você. Deus quer curar você ou intervir em sua situação, mas também quer renovar e transformá-lo com sua graça.

Supere as Ofensas

Quando estudamos o que Jesus ensinou, está muito claro que ele veio para tornar-nos “incapazes de ser ofendidos”. Pense nestes ensinamentos: se alguém bater em uma de suas faces, ofereça-lhe a outra; ame os seus inimigos; abençoe os que o amaldiçoam. O que ele realmente quer fazer é mostrar-nos como um coração de amor, incapaz de ser ofendido, supera toda adversidade.

Oramos: “Senhor, quero mudar. Quero ser diferente”. Para responder nossa oração, às vezes é necessário colocar-nos em situações nas quais seremos profundamente ofendidos. A própria ofensa desperta nossa necessidade de graça. Dessa forma, o Senhor precipita a mudança ofendendo primeiro a área do coração que ele deseja transformar. Ele não espera que simplesmente consigamos passar pela adversidade e sobreviver; seu desejo é que sejamos transformados, tornando-nos mais semelhantes a Cristo por meio das provações. Veja José, no Velho Testamento: a “terra da ofensa” tornou-se a terra de sua unção e poder.

Ouça, meu amigo: é no cruzamento com a ofensa que seu destino em Deus poderá desabrochar ou fracassar. A forma como lidamos com a ofensa é a chave para o nosso amanhã.

"Grande paz têm os que amam a tua lei; para eles não há tropeço" (Sl 119.165).

Senhor, concede-me aquele coração da nova criação, para que eu possa andar como Jesus andou, atravessando um mundo cheio de ofensas sem tropeçar. Quero enxergar tudo como uma oportunidade de orar, de tornar-me mais parecido com Jesus. Ajuda-me a interpretar as ofensas como oportunidades que conduzem à transformação. Concede-me, Senhor Jesus, o pulso e o batimento do teu coração, um coração incapaz de ser ofendido. Amém.

Este texto foi traduzido da segunda metade do artigo “Unoffendable” (Incapaz de Ser Ofendido) de Francis Frangipane. Este artigo e muitos outros (em inglês e espanhol) podem ser encontrados no site:
www.frangipane.org.




Por: Francis Frangipane




quarta-feira, 23 de junho de 2010

O dízimo e a Igreja gentílica



Pergunta:

@4ms: Em um de seus artigos você alega que o dízimo não era uma prática da Igreja gentílica. Como você interpreta 1a Corintios 16:2?



Obrigado por sua pergunta.



As lentes teológicas pelas quais lemos certos textos está embaçada, na melhor das hipóteses, e totalmente riscada na pior delas. Em minha interpretação, o versículo não diz exatamente aquilo que muitos pensam que ele diz. Já vi pregadores usarem esta passagem para provar que a Igreja neotestamentária recolhia dízimos, assim como você parece crer. Entretanto, não penso que isto seja o que a passagem nos demonstra. Analisemos a Escritura:
Quanto à coleta para os santos, fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for. E, quando tiver chegado, enviarei, com cartas, para levarem as vossas dádivas a Jerusalém, aqueles que aprovardes. (1 Coríntios 16:1-3)
Observe que Paulo se refere aqui a uma oferta voluntária e não ao recolhimento de dízimos.
Em primeiro lugar, a oferta em questão sequer seria recebida pela Igreja local ou pelos presbíteros. Os santos deveriam juntar este dinheiro em suas próprias casas e quando Paulo chegasse em Corinto entregar-lhe a oferta em mãos.
Em segundo lugar, a oferta tampouco se destinava à Igreja local, e sim à Igreja em Jerusalém em função da calamidade pública que afligia os santos na ocasião. Era uma oferta circunstancial, ou seja, em função da necessidade. Não se trata de um imposto religioso de caráter compulsório.
Paulo em momento nenhum usa a palavra “dízimo” na passagem, e sim a expressão “conforme à sua prosperidade”. O apóstolo não estipula nesta passagem, nem em nenhuma de suas cartas, um percentual fixo para a contribuição, mas deixa à consciencia individual para decidir o valor da oferta de acordo à sua capacidade financeira.
Assim, o texto acima não prova que os santos da Igreja primitiva dizimavam, somente que ofertavam de acordo à necessidade dos irmãos, uma prática encorajada e praticada entre as igrejas caseiras. Permita-me esclarecer que estou disposto a crer (ainda que as Escrituras não nos digam) que havia, na Igreja gentílica, pessoas que usavam o percentual de 10% como referência para ofertar na Casa de Deus, de forma voluntária. Mas minha crença vai até aí. Não encontro base bíblica para afirmar nada que vá além disso.
Entendamos que os gentios nasceram fora do sistema sacerdotal-templocêntrico veterotestamentário. Não havendo templos nem casta sacerdotal a serem mantidos, a razão de se cobrar o dízimo obrigatório cessou. Além disso, nos outros dois artigos que escrevi a respeito do
dízimo, procurei demonstrar biblicamente, entre outras coisas, quatro pontos que são fundamentais em nosso entendimento desta questão:
1) O dízimo não era cobrado em dinheiro, somente em lã e frutos da terra. Assim:
2) O dízimo somente era cobrado dos donos de terras e de rebanhos. Portanto, nem mesmo no sistema judaíco de templos e castas sacedotais, os carpinteiros (como Jesus), pescadores (como alguns dos 12) e fazedores de tenda (como Paulo) estavam obrigados a dizimar perante a Lei, somente a pagar o imposto do templo (algo bem distinto do dízimo).
3) No sistema de dízimos da Tanach (ou Antigo Testamento) os ricos dizimavam e os pobres eram beneficiários, não contribuintes.
4) A Igreja primitiva gentílica, fora dos arraiais do judaísmo, não dizimava, somente ofertava conforme a necessidade, algo que não somente a Bíblia demonstra, mas que Pais da Igreja como
Tertuliano ensinavam e a História dos seis primeiros séculos da Igreja confirma.
Todos os pontos acima são explicados, com suas devidas referências, em meu artigo “
O Dízimo na Bíblia e na História.”
© Pão & Vinho
Este texto está sob a licença de
Creative Commons e pode ser republicado, parcialmente ou na íntegra, desde que o conteúdo não seja alterado e a fonte seja devidamente citada: http://paoevinho.org.
//

Por Hugo em: http://paoevinho.org/?p=4633

quinta-feira, 17 de junho de 2010

O Dízimo na Bíblia e na História



Antes de mais nada, devo esclarecer que não sou contra a prática de dizimar, mas ao longo dos anos, depois de muito meditar sobre o assunto, me desfiz de todo tabu a respeito do tema. Tenho hoje a convicção de que o dízimo deve ser usado como uma referência de primícias ao cristão que deseja, voluntariamente, participar do privilégio de ministrar aos santos com suas finanças. Entretanto, não encontro bases bíblicas ou históricas que possam legitimar a maneira como o dízimo é ensinado e coletado pela igreja institucional. Minhas razões para alegar isso, estão abaixo:
1) Não há evidência bíblica que demonstre que a Igreja gentílica dizimava de forma obrigatória. O dízimo, como concebido na Antiga Aliança, servia para o sustento do Templo, dos sacerdotes e dos levitas. Com o fim desta Aliança, a obrigatoriedade do dízimo igualmente acabou. A Igreja gentílica neotestamentária nasceu fora deste sistema e não possuia sacerdotes, levitas ou templos. Justamente por isso, sempre que Paulo ensina sobre finanças na Igreja, fala em termos de doações voluntárias (2 Cor. 9). Portanto, o dízimo na Nova Aliança não pode ser praticado como um imposto religioso.
2) Há indícios históricos de que o dízimo deixou de ser um pagamento obrigatório com o fim da Antiga Aliança na maioria absoluta das Igrejas. Irineu, Orígenes, Justino Martir,
Tertuliano, Cipriano, João Crisóstomo e outros cristãos dos séculos II ao V – cujos registros compõe a história da Igreja – nos falam somente de contribuições voluntárias na comunhão dos santos. Somente no século VI, no Sínodo de Mâcon (582), é que o dízimo começou a ser ensinado como algo obrigatório (quando se adotou a infame Teologia do Paralelismo entre a Igreja e o sistema sacerdotal/levítico veterotestamentário) e um milênio mais tarde – no Concílio de Trento – ganhou força de lei cujo não cumprimento seria punido com a excomunhão.
3) Somente algumas igrejas do Oriente dizimavam por obrigação porque interpretavam que o diálogo entre Jesus e o jovem rico (Lucas 18:18-24) ensinava a “generosidade sacrifícial”. Em primeiro lugar, esta interpretação é questionável, porque Jesus não pediu o dízimo ao jovem rico (o que supostamente já praticava) e sim que vendesse a totalidade de seus bens e desse aos pobres (o Senhor o testava porque o amor ao dinheiro era seu problema). Em segundo lugar, Deus não está interessado em ofertas feitas por obrigação. Em 2 Cor. 9:7, a palavra traduzida como “necessidade” é αναγκη (anagke), que na verdade quer dizer c0nstrangimento ou obrigação. Portanto, o versículo diz que “cada um deve dar conforme tiver proposto em seu coração, não por tristeza ou CONSTRANGIMENTO/OBRIGAÇÃO, porque Deus ama quem dá com alegria“.
4) Alguns alegam que o dízimo transcende a Lei porque veio antes da Lei (com Abraão e Jacó). Se estamos falando do dízimo voluntário, concordo em gênero, número e grau, porque tanto Abraão quanto Jacó dizimaram voluntariamente. Mas afirmar que o dízimo é obrigatório mesmo com o fim da Antiga Aliança (porque o dízimo precede a Lei) coloca a Igreja gentílica em maus lençois. O descanso sabático também aparece antes da Lei, já na primeira semana da Criação, e no entanto poucos advogam a favor de sua obrigatoriedade, com excessão de algumas comunidades sabatistas. Do mesmo modo, a circuncisão precede a Lei (Gen 17:10). Portanto, é prudente adotarmos um peso e uma medida na interpretação da Antiga Aliança: ou todos os preceitos do Antigo Testamento (como o dízimo, a circuncisão e o descanso sabático) são obrigatórios, ou a obrigatoriedade destas coisas caducou com o fim da Antiga Aliança.
5) A Antiga Aliança estabelecia 3 tipos de dízimos (Lev. 27:30-33, Num. 18:21-31 e Deut. 14:22-27 – este último a cada 3 anos). Quem ler estas Escrituras com atenção, verá que Israel tinha que dizimar 23.3% de sua renda anualmente e não somente 10%. Portanto, se vamos praticar o dízimo de acordo com a Lei, devemos ser coerentes e cumprí-la em sua totalidade. Ou damos voluntariamente ou adotamos todo o pacote mosáico.
6) Importante ressaltar também que o dízimo da Antiga Aliança nunca era pago em dinheiro, mas com lã (Deut. 18:4) e com comida (repare nas palavras de Jesus aos fariseus em Mt. 23:23). O argumento de que isso se dava porque na época não havia moeda é falso, pois o dízimo de Deut. 14:22-27 envolvia venda e compra – portanto os israelitas já dispunham de alguma moeda. O dízimo da Lei equivalia às primícias da lã da tosquia das ovelhas e dos primeiros frutos da colheita, portanto, somente os donos de rebanhos e de terras eram obrigados a dizimar. O pobre dava voluntariamente, mas não era obrigado a dizimar. Pelo contrário, o pobre colhia as sobras da colheita dos donos de terras (Dt. 24:19-21) e se beneficiava dos dízimos dos mais prósperos (Dt 26:12-13). Jesus e seus apóstolos não dizimavam, pois não eram donos de terras ou de rebanhos (eles eram considerados pobres e inclusivem se benefeciavam da Lei das sobras da colheita – Mateus 12:1-2). O imposto do templo era o único tributo compulsório pago por Jesus e seus discípulos (Mat. 17:24-27).
1 Portanto, a maioria daqueles que usam Malaquias 3:9-10 para ensinar sobre o dízimo, chamando o pobre que não dizima de ladrão, não tem a menor idéia daquilo que está falando. Quem obriga o pobre a dizimar, de forma legalista, não pratica o dízimo nem da Antiga e nem da Nova Aliança.
7) Uma prática antibíblica herdada da Idade Média passou por Lutero (simpático à Igreja Estatal) e se cristalizou entre nós: absolutamente nenhum pastor ou líder espiritual tem o direito de “fiscalizar” as ofertas de seus membros e/ou usar o dízimo como parâmetro para medir a espiritualidade de ninguém.Tal ato se constitui em uma arbitrariedade que contraria o ensinamento bíblico que nos diz que todo ato de caridade deve ser anônimo, algo pessoal entre aquele que oferta e o próprio Deus. E assim, o que nossa mão direita faz, a esquerda não tenha que saber (Mat 6:1-3).
8) Hoje em dia, a Igreja institucional pede dinheiro ao pobre, ensinando-o que ele tem que dizimar (caso contrário estará roubando a Deus). No entanto, ao invés de ajudar o pobre, investe em propriedades e edifica obras que permanecerão aqui depois que Jesus Cristo voltar. Para justificar tal prática, ensina que Deus um dia pagará com juros tudo aquilo que o fiel investiu na instituição religiosa. Ainda que seja verdade que Deus abençoa aquele que semeia de forma abundante, este é somente um lado da verdade. No Novo Testamento os necessitados eram abençoados por Deus por meio da Igreja, com os fundos provenientes das doações. Infelizmente, o dízimo da forma em que é ensinado e praticado na Igreja denominacional oprime o pobre, pois a Igreja somente ensina que Deus abençoará o pobre de alguma forma, em algum dia, mas recusa-se a ser parte deste processo. Assim , o evangelho deixou de ser as boas novas ao pobre (Lucas 4:18) para se tornar uma forma de opressão ao pobre.
Concluo, portanto, que ainda que o dízimo seja bíblico, a aplicação que lhe é dada nos dias de hoje está longe de ser. É nada mais que um imposto religioso que herdamos da Igreja Estatal da Idade Média.



Essa é só a primeira parte...

Fonte:


terça-feira, 15 de junho de 2010

Crônicas de um muçulmano convertido a Cristo


"Em 1987, o xeque palestino Hassan Yousef foi um dos sete fundadores do Hamas, grupo extremista islâmico que atua na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Os radicais da organização já comandaram 350 atentados contra israelenses provocando mais de 500 mortes. Seu filho, Mosab Hassan Yousef, 32 anos, é o autor do livro Filho do Hamas (Sextante), que chegou às livrarias brasileiras na semana passada. Na obra, revela como colaborou para o serviço secreto israelense, o Shin Bet, e explica por que converteu-se ao cristianismo. Yousef conversou com o repórter da Revista Veja, Duda Teixeira, por telefone, de Nova York."




Seu pai é um imã. Ele pregava o Islamismo nas mesquitas e ajudou a fundar o Hamas. O que o levou a converter-se ao Cristianismo?
Depois de ser preso pelos soldados israelenses por porte de armas, em 1996, fui levado à prisão em Megiddo, Israel. Dentro do prédio, os detentos eram divididos segundo a filiação. Havia a ala do Hamas, que era a maior, a do Fatah, a da Jihad Islâmica e outras. Eu fiquei na do Hamas. Do interior das celas, testemunhei o que os integrantes do grupo faziam com seus próprios colegas. Quando os líderes do Hamas suspeitavam que um dos nossos estivesse dando informações aos israelenses, eles o torturavam. Havia interrogatórios diários. Isso fez com que eu repensasse alguns conceitos. Era um grau de brutalidade que nem mesmo os israelenses tinham conosco. Saí da prisão um pouco desnorteado. Mais tarde, comecei a estudar a Bíblia com amigos. O livro falava em “amar os seus inimigos”, o que fez todo sentido para mim.
Quem eram os torturadores?
Como eles procediam?
Eram os homens que integram o braço de segurança do Hamas. Quando iam punir alguém, esvaziavam uma cela e ligavam a televisão em volume bem alto para que os outros não ouvissem os gritos de desespero. Na falta de uma televisão ou rádio, começavam a rezar bem alto. Então, colocavam agulhas embaixo das unhas dos suspeitos. Derretiam embalagens plásticas e as colocavam sob a pele das pessoas. Queimavam cabelos e pelos. Eram sessões de aproximadamente meia hora. Às vezes, impediam o interrogado de dormir por vários dias. Entre 1993 e 1996, dezesseis pessoas foram mortas pelo Hamas em prisões israelenses. Sob tortura, as vítimas confessavam as coisas mais absurdas. Como eu digitava rápido, fui chamado para redigir muitos desses depoimentos. Era loucura. Depois, entregavam as confissões para os familiares. Caso o detento fosse solto, seus parentes e amigos passavam a evitá-lo. A vida social dele acabava.
O Hamas continua usando as mesmas práticas?
Provavelmente, mas não na mesma intensidade como no passado. Meu pai esteve detido em Megiddo e coibiu muito as torturas. Ele mudou o jeito de pensar daqueles homens. Mas o Hamas continua praticando-as. Quando pensam que alguém colabora com Israel, torturam e matam. É isso o que está acontecendo na Faixa de Gaza agora. Ao contrário do que diz o Hamas, Israel não é o principal inimigo dos palestinos, e sim os próprios palestinos.
Um dos principais desafios do mundo hoje é conseguir que o Hamas participe das negociações de paz. Existe a possibilidade de o grupo sentar-se com os rivais do Fatah e com o governo de Israel para conversar?
Os líderes do Hamas até podem dizer que buscam uma solução e dizer que abrem mão de Jerusalém como capital. Mas eles não manterão a palavra simplesmente porque o Deus deles não permite isso. É um bloqueio religioso. O Hamas não reconhece Israel. Ponto. O Corão diz que os israelenses são macacos e porcos. Toda vez que algum representante do grupo obtem algum progresso, esbarram no muro da ideologia ou no da religião.
O governo israelense deveria soltar prisioneiros palestinos em troca da liberdade do soldado Gilad Shalit, capturado pelo Hamas em 2006?Entendo que todos esses presos necessitem de liberdade. Eu fui um deles e sei o quanto sofrem. Mas é preciso preparar o ambiente para que eles sejam soltos. Sem isso, eles poderiam ser mortos nas ruas por facções rivais ou tornarem-se terroristas novamente. Alguns detentos não são perigosos e poderiam se tornar até defensores da paz. Outros são extremamente cruéis. Foram responsáveis pela morte de dezenas de israelenses e consideram-se heróis. Se voltassem a praticar o que faziam, eles comprometeriam as negociações de paz e o sonho de um estado palestino. Olhando o cenário hoje, vejo que não chegou o momento de abrir as celas. Talvez tenham de ficar a vida toda na prisão. Não me sinto culpado por esse sentimento. Sinto pelas suas famílias, que são vítimas da situação, mas não há opção.
Israel viola os direitos humanos ao manter pessoas que não são comprovadamente terroristas nas prisões?
Diga para mim qual é o governo que não viola os direitos humanos. Não há estado perfeito. Todo governo comete erros. Israel é um deles. A questão é que muitos israelenses foram mortos em sinagogas, em ônibus e em supermercados e seus dirigentes tiveram de tomar medidas para defender seus cidadãos. O mais importante é abster-se de usar métodos violentos, pois isso só gera mais violência. Quando trabalhei com o Shin Bet, não assassinei ninguém e não participei de nenhuma operação contra a vida de um ser humano. Hoje, mesmo longe, dou a mesma recomendação para eles.
Quantas vidas você calcula que salvou ao ajudar o Shin Bet?
Como você fazia isso?Não importa se eu salvei uma ou mil pessoas. Eu não tenho esperança de receber retribuições de ninguém. Uma vez, em 2002, eu estava em casa, em Ramallah, quando dois homens assustados bateram na minha porta e falaram: “Temos um carro lá fora cheio de explosivos. Precisamos de um lugar seguro para ficar”. Eles procuravam o meu pai e havia outros três no carro, estacionado ali perto. Dei um dinheiro a eles encontrarem um hotel e pedi que retornassem à noite. Rapidamente, telefonei para o Shin Bet e pedi que levassem o automóvel embora. Foi um alívio enorme. Meia hora depois, o primeiro-ministro Ariel Sharon já tinha ordenado o assassinato daqueles cinco homens. Eu, então, fui contra. Não queria me envolver com coisas assim, mesmo sendo eles terroristas. E os israelenses aceitaram minha objeção. O exército então entrou no quarto dos terroristas durante a noite e os prendeu de surpresa, pois ainda possuíam os cintos com explosivos.
Mas você deu informações que levaram à tentativa de assassinato de Muhaned Abu Halawa, de 23 anos, ligado ao Fatah. Após um telefonema seu, um tanque israelense disparou um míssil contra o carro dele. Halawa escapou, mas foi morto meses depois. Você se arrepende disso?
Halawa fornecia armas poderosas para os terroristas. Eu apenas ajudei a localizá-lo. Mas a tentativa falhou, e fiquei contente quando isso aconteceu. Na realidade, eu não estava muito certo sobre o que deveria fazer naquela ocasião. Ao final, Halawa foi morto em outra operação, da qual não tomei parte. Então, posso dizer que, durante toda minha colaboração com o Shin Bet, sempre me preocupei em apenas participar de operações que não atentassem contra a vida humana. Não sou responsável pela morte de nenhum palestino ou israelense.
Quando foi a última vez que você falou com seu pai? O que ele disse para você?
Conversei com ele por telefone alguns dias antes do lançamento do meu livro. Ele foi muito compreensivo no início. Porém, após a pressão da sociedade e de outros religiosos, ele não teve outra opção a não ser me recusar. Desde então, não fala comigo.
Seu pai convocou manifestações de palestinos, as quais resultaram em mortes de israelenses e árabes. Ele é um terrorista?
Meu pai não é terrorista por natureza. Aliás, nenhum palestino é. Mas eles têm as suas razões para se comportar assim, para tentarem se vingar. Também é preciso levar em conta que o Hamas também é muito complicado. Existe o braço político, do qual meu pai faz parte. E existe o militar, que tem umas dez pessoas operando independentemente e que raramente se encontram. São esses últimos os responsáveis pelos ataques contra pessoas. Meu pai não sabia o que essas pessoas planejavam, mas deu cobertura a eles. Se ele continuar fazendo isso, aí acho que ele poderia, sim, ser considerado um terrorista.
O presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad declarou que suas centrífugas já são capazes de enriquecer urânio a 20%. Se chegar a 90%, esse material já poderia rechear uma bomba atômica. O que o Irã faria com um artefato nuclear?O deus do Corão não hesitaria em bombardear qualquer país que não acreditasse nele. Pode usar qualquer arma para lutar contra infiéis. Seus devotos estão prontos para lutar pela religião e alcançar a glória, com a bomba ou o que mais tiverem è mão.
De que maneira o Irã ajuda o Hamas?
O Irã treina soldados do Hamas e os prepara para o combate em seu território. Muitos viajaram para lá em anos recentes. E o Irã também dá apoio financeiro e logístico. Como os membros do Hamas não podem ter contas bancárias, pois isso é contra as decisões da comunidade internacional, seus membros fazem contrabando de dinheiro. Essa operação complicada ocorre de duas maneiras. A primeira é usando as centenas de túneis que ligam a Faixa de Gaza ao Egito. A segunda é pela fronteira terrestre nesse mesmo local, aproveitando as viagens de membros do grupo para o exterior. Em 2006, o primeiro-ministro do Hamas, Ismail Haniya, foi pego quando tentava entrar na Faixa de Gaza com 35 milhões de dólares. Ele vinha do Irã e disse que o valor era para pagar salários, remédios e armamentos. É comum que esses homens do Hamas sejam detidos com dinheiro. Em 2009, o ministro de relações exteriores do Hamas, Mahmoud Zahar, foi flagrado com vinte milhões de dólares na mesma situação. Segundo o Fatah, parte das notas tinha como destino o braço militar do Hamas.
Sem esse apoio do Irã, o Hamas ficaria enfraquecido?
O Irã é um dos grandes patrocinadores dos terroristas, mas não o único. Há muitos doadores no Catar, na Arábia Saudita, na Síria e no Egito. São, em geral, pessoas e empresas que entregam parte de suas economias em mesquitas, com o objetivo claro de fomentar a resistência do Hamas. Bloquear a ajuda iraniana pode ajudar, mas não necessariamente enfraquecerá o Hamas.
Como o presidente da Organização para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat assinou com o primeiro primeiro-ministro israelense, Yitzhak Rabin, o Acordo de Paz de Oslo, o que lhe valeu o prêmio Nobel da Paz em 1994. Qual sua opinião sobre ele?Arafat era um político e, como tal, fez coisas boas e ruins para o seu povo. Era um centralizador que colocou o seu nome em todas as contas bancárias. Também tinha um posicionamento dúbio. Arafat estava no comando da Organização da Libertação da Palestina, quando esse entidade ordenou a Segunda Intifada, em 2000. A revolta de palestinos contra israelenses gerou milhares de mortos. A guarda pessoal de Arafat promoveu os mais virulentos ataques a Israel, sob o nome de Brigadas dos Mártires de Al Aqsa. O grupo foi criado por Arafat com o dinheiro que recebia de doações de outros países, incluindo dos Estados Unidos. Mesmo assim, para muita gente no mundo, Arafat sempre foi um grande promotor da paz.
Agora que você se converteu ao cristianismo, como enxerga as diferenças entre o Corão e a Bíblia?
Não é justo comparar os dois livros. O Corão está cheio de ódio, de ignorância, de erros. Não tem ética. É um livro doente que deveria ser banido das escolas, das bibliotecas, das mesquitas. A Bíblia, por outro lado, tem Jesus Cristo, que foi perseguido, torturado, e mesmo assim continuou amando as pessoas e seus opressores. Os dois livros têm deuses completamente diferentes. Um, o do Islã, é o do ódio. O deus da Bíblia é o do amor. Muitas coisas que fiz durante o meu trabalho com o Shin Bet foram inspiradas pelos ensinamentos de Jesus Cristo. Tenho um amor incondicional por ele. Cristo é o meu herói.
Mas a Bíblia também foi usada para justificar torturas e mortes durante a Inquisição, por exemplo.Ok… Mas essas coisas foram feitas por pessoas que não entenderam a principal mensagem da Bíblia. Não compreenderam as falas de Jesus Cristo, que é o nosso maior exemplo. O amor incondicional de Jesus não é um capítulo separado do livro, mas sua principal mensagem.
Você não teme promover o ódio entre religiões e se tornar um fundamentalista cristão?
Eu sei quais são as minhas responsabilidades. Não quero promover uma rixa entre religiões. Eu amo os muçulmanos. Falo com eles com carinho. Mas preciso ajudar a consertar a religião deles. Ser forte e dizer a verdade, mesmo que isso possa causar confrontações. No mais, não há o risco de eu incitar uma guerra religiosa porque isso já acontece no Oriente Médio. Não seria algo novo.

domingo, 13 de junho de 2010

Saindo do Aquário



O artigo abaixo foi publicado na Revista Igreja sob o título: “Quem Precisa de Igreja?”
Como o caro leitor constatará por si mesmo, a matéria é excelente. O título original, entretanto, deixa a desejar por dar a impressão de que os cristãos que se reunem nos lares “não precisam de Igreja.” Esta é uma inverdade que vem sendo usada pelos defensores da Igreja institucional contra a Igreja nos lares, algo que não corresponde à realidade. Vale lembrar que a Igreja é o habitat natural do cristão, e ela não depende de uma capelinha para ser considerada Igreja. A Igreja Orgânica/Simples/nos lares não é anti-igreja, é somente contra o institucionalismo.




Grupos independentes de cristãos se multiplicam pelo país, mas sofrem duras críticas. É possível servir a Cristo e cultuá-lo longe das quatro paredes dos templos evangélicos? Para uma classe diferentes de cristãos que vem crescendo a cada dia, a resposta é “sim”.
Segundo o Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 1,1 milhão de brasileiros se declararam evangélicos sem vínculo institucional. Boa parte desse contingente se declara desiludida com as instituições religiosas, pastores e líderes, e resolveu formar um grupo de cristãos que realizam reuniões nos lares, sem vínculos com igrejas.
A filosofia desses grupos se baseia na formação do cristianismo e da igreja primitiva como relatado em Atos 2:44-46. Na maioria dos cultos celebrados nas casas, existe tudo o que há em uma igreja tradicional, como a Ceia, o ofertório com dízimos e ofertas, cânticos espirituais etc. Variando um pouco de lugar para lugar, eles procuram dar ênfase aos relacionamentos interpessoais, na comunhão entre os irmãos, no discipulado.
Para o pastor Edgard Bravo Nogueira, que lidera vários grupos com essa filosofia no Estado do Rio de Janeiro, em Jundiaí (SP), Belo Horizonte (MG), São Luís (MA) e na Hungria, a ordem de Jesus foi fazer discípulos em todas as nações, e o ambiente doméstico é apropriado para isso. “Não dá para fazer discípulo no meio das multidões”, afirma o pastor, que há 25 anos trabalha na fundação e restauração de “igrejas” (grupos que se reúnem em casas). “Temos normalmente uma reunião geral uma vez por mês em uma escola, um galpão, um salão de festas ou mesmo na praça pública. Nessa questão, somos bastante flexíveis porque a ênfase não é a casa, mais a igreja, que somos nós”, explica.
Segundo Nogueira, é um erro de interpretação acreditar que todos os cristãos da igreja primitiva iam aos templos (Atos 2:46), dada a limitação do espaço físico. “Era impossível caber 3 mil pessoas. Eles se reuniam em praça pública, em frente ao templo”, argumenta. O pastor cita os versículos 42 a 47 do segundo capítulo de Atos para descrever o ideal que seu grupo almeja conquistar. “A igreja primitiva vivia dessa forma e procuramos viver o máximo possível assim, ainda que admita que estejamos muito longe do alvo. Mas observe que tudo começava com estudo, comunhão, partir do pão e orações. Procuramos dar ênfase a esse início de vivência registrado em Atos.”
Um dos frutos desse trabalho é o empresário Alexandre de Mello Ferreira, que há cinco anos freqüenta as reuniões com sua esposa e a família dela. Alexandre se converteu aos dezesseis anos, na Primeira Igreja Batista em Pavuna, zona norte do Rio de Janeiro, mas aos poucos foi percebendo que aquele não era o modelo de igreja do qual queria fazer parte. “Nesse grupo, vivo realmente o que devemos ser: igreja. Quando vi na Palavra o que realmente é a igreja, decidi sair. Não foi por convencimento de ninguém, e sim pelo do Espírito Santo”, afirma Alexandre. Ele alerta o cristão a olhar mais para o próximo do que para prédios confortáveis para cultuar a Deus. “Creio que, quando a igreja do senhor entender o que realmente é ser igreja de Jesus e deixar de se preocupar com belos templos, e sim com o templo principal, que somos nós, em muito o Evangelho no Brasil e no mundo irá fazer a diferença.”


Inconformados


Esse inconformismo também motivou o administrador de empresas David de Oliveira. Há cinco anos, ele saiu da igreja que freqüentava, em Goiânia (GO), para viver outro tipo de cristianismo.
“Em cada palavra do sermão, via muito egocentrismo e Jesus relegado a segundo, terceiro plano ou lugar nenhum. Moças dançando, instrumentistas dando os seus shows, muito teatro e representações humanas bonitas e suntuosas, porém tudo aquilo me fazia mal”, conta o administrador, que resolveu conversar com o pastor sobre o assunto.
“Comuniquei que estava saindo por causa de uma revelação ou releitura bíblica. Demos as mãos e nos despedimos em paz. Minha família não entendia, mas, mesmo assim, saí.” David rebate os críticos que usam o texto de Hebreus 10:25 (“Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns”) para condenar essa prática. “Esse é um versículo que, como uma arma, é disparado instantaneamente contra aqueles que não têm seus nomes em alguma organização institucionalizada”, argumenta. “Mas será que essa bala detona o conceito de que não há modelos organizacionais hierárquicos no Novo Testamento que se assemelhe aos atuais? Na época em que o livro de Hebreus foi escrito, por volta de 64 d.C., as congregações ou reuniões eram feitas nas igrejas domésticas ou casas particulares.”
Assim como David Oliveira, o consultor Roberto Batista de Lima ainda não se adaptou a um grupo específico de cristãos sem igreja. Ele e sua família vão à residência de irmãos que realizam cultos em casa, mas não há ainda uma organização bem definida. “Caminhamos com vários irmãos de outros ministérios que têm igreja em casa, mas não existe nenhum compromisso entre nós a não ser do respeito e amor fraternal. Temos reuniões aos domingos, quando normalmente compartilhamos alguns trechos da Bíblia com ênfase na graça de Jesus, cantamos e oramos. Tudo muito simples e informal. Não tiramos dízimos ou ofertas, a não ser quando sabemos que alguém está com dificuldade. Aí nos reunimos e cada um contribui com o que pode para ajudar o necessitado”, explica Roberto, que mora em Santa Bárbara d’Oeste, interior de São Paulo.
Em 2003, ele deixou uma igreja neopentecostal, onde era líder da juventude, por discordar da linha teológica. “Eu era fortemente contrário à visão daquela igreja, baseada no G12. Alguns que andavam comigo saíram também, e a partir daí começamos a nos reunir em casas. Tudo isso nos fortaleceu a consciência de buscarmos um caminho que fosse diferente do que eu, minha família e aqueles irmãos tínhamos trilhado por anos a fio”, revela.
De norte a sul do país, grupos de cristãos sem igreja se formam com pessoas inconformadas e revoltadas com os rumos que as denominações evangélicas estão tomando. Frieza e mercantilismo são algumas das reclamações desses novos “cristãos primitivos”. Até mesmo uma TV na internet foi criada para ser veículo da voz dos inconformados. A i-TV (TV dos Inconformados) prega o cristianismo aos “sem igreja”. A idéia partiu do professor de História do Cristianismo Leandro Villela de Azevedo, que pertencia a uma Igreja do Evangelho Quandrangular que fechou.
“Após uma noite em claro em oração, angustiado pela situação da igreja, recebi a idéia da i-TV praticamente pronta em minha mente, e acredito que isso veio de Deus”, relata o professor, que está fazendo doutorado na USP sobre a pré-Reforma. Ele acredita que esse movimento é uma tendência mundial. “Somos um grupo de cristãos que, por algum motivo, se decepcionaram com as instituições religiosas. Alguns foram expulsos, outros saíram porque quiseram, mas ainda são cristãos verdadeiros”, declara o professor que, com a esposa e a família dela, faz parte de um grupo que se reúne na capital paulista.

Reconciliação


Diante de todo esse movimento para fora dos templos, há quem queira evangelizar os grupos de cristãos sem igreja e trazê-los de volta às quatro paredes dos templos evangélicos. O pastor Humberto Silva Barbosa coordena o ministério Aliança com Deus, que se especializou em convencer cristãos sem igreja a se reconciliar com a instituição.
“O trabalho surgiu porque percebemos que muitas denominações se preocupam somente em conquistar novos crentes e, infelizmente, têm falhado em manter os que já congregam”, explica o pastor. Barbosa também passou um período sem congregação. “Fui pastor de uma grande denominação, mas quando descobri toda a podridão que estava por trás daquilo, quase abandonei o Evangelho. Durante muito tempo, busquei a Deus só em minha casa e criticava qualquer denominação, até o dia em que percebi que, ao invés de somente criticar, devemos lutar para mudar sem nos acomodar.”
O ministério usa como estratégia a própria filosofia do grupo dos sem igreja. “Pregamos um evangelho que não depende do dinheiro da pessoa ou de quão santa ela deve ser para alcançar as bênçãos gratuitas de Deus. Esse evangelho é o que atrai os cristãos sem igreja, pois é o evangelho que eles sempre procuraram e não acharam nos lugares onde congregavam — o evangelho do amor, do perdão, da compaixão e da simplicidade.”
Pastores denominacionais, no entanto, discordam frontalmente dessa teoria. Para Joel Bezerra de Oliveira, presidente da Primeira Igreja Batista do Recife (PE), a igreja é uma invenção de Jesus Cristo e, portanto, não existe cristão sem ela.
“Isso é uma tremenda heresia! A igreja é o Corpo de Cristo atuante no mundo (ICo 12:12-30), e nós somos membros desse corpo. O membro não pode ficar fora do corpo, ele morre. A igreja é a família de Deus para receber, restaurar, celebrar, edificar, exercer os dons”, declara o pastor. Oliveira é firme quanto ao papel da igreja na salvação do mundo.
“Foi isso o que aconteceu no Céu, com Lúcifer, e com Adão e Eva no Edén. Quiseram ser independentes. A igreja é o único e o último projeto de Deus para abençoar as nações sendo sal e luz. A única esperança do mundo está na igreja de Jesus Cristo. E ele virá buscá-la”, diz.
O bispo Antônio Costa, presidente da Igreja de Nova Vida de Brasília (DF), concorda com o pastor Joel. Segundo ele, não há vida fora do corpo. “Nós fazemos parte de um corpo, e um membro separado do corpo não tem vida, perece. Essa teoria defendida por eles contraria tudo aquilo que Jesus instituiu. Foi Jesus quem criou e organizou a igreja”, salienta.

Nomadismo


Apesar de compartilhar da mesma opinião que seus colegas, o pastor Antônio Pereira da Costa Júnior, da Primeira Igreja Congregacional Vale da Bênção, em Santa Cruz do Capibaribe (PE), faz algumas ressalvas. “De fato, todo cristão fiel pode adorar a Deus aonde quiser. O véu já se rasgou, o caminho já foi aberto pelo sangue de Jesus”, destaca o pastor, que faz menção à vida de Paulo como um cristão que tinha tudo para não estar ligado a igreja alguma e, no entanto, defendia a instituição.
“Paulo foi um cristão que não precisou da igreja para se converter. Se existiu alguém que poderia defender a tese de que não precisamos de uma igreja local, seria o apóstolo. Porém, o próprio Paulo abriu, trabalhou e abençoou várias igrejas, sempre debaixo da consciência e da autoridade do colégio apostólico.”
Para Costa Júnior, muitos abandonam os templos evangélicos por causa de problemas que tiveram dentro da igreja.
“Se problemas fossem motivos para se abandonar os templos e viver um cristianismo hippie, então Paulo teria dito isso aos irmãos de Corinto. Apesar de tantos problemas na igreja local, o apóstolo Paulo nunca aconselhou ninguém a deixar a igreja para ser um cristão nômade pelas ruas de Jerusalém”, compara.
Fonte: Revista Igreja via “os igrejados” do Pulpito Cristão.
É incrível como os críticos da Igreja Orgânica se apoiam todos no mesmo silogismo teologicamente equivocado: Edifícios da Igreja = Templos = Casa de Deus = Igreja. Conclusão: abandonar os templos é abandonar a Igreja (!!!). “Desigrejado”, na verdade, é todo aquele que pensa ser parte da Igreja somente porque congrega entre quatro paredes. No final das contas, uma visão anti-Igreja é aquela que é incapaz de contemplar a verdadeira Igreja, pois confunde a família de Deus (Ekklesia) com um edifício.
Ecclesia semper reformanda est!
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Fonte: http://paoevinho.org/?p=4532