segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Teologia para tentar entender o que fizemos com Deus


por Gedeon Lidório

O que fizemos com Deus?

Esta pergunta tem ecoado em minha mente constantemente e pode parecer estranha para você que lê agora este artigo, mas acompanhe meu pensamento e veja se há algum sentido nela.

Por mais que nos esforcemos e tentemos atingir um nível de intimidade com Deus através de louvor, adoração, oração e tempos de meditação e jejuns sempre paira a dúvida se fizemos tudo o que devia ser feito, se seguimos a risca as instruções daqueles que nos orientaram de como falar com Deus, como entrar em contato com seu poder, como obter através de tantos meios e modos o que desejamos – santificação, perdão, um bem, uma graça... alguma coisa.

Deus tem sido constantemente trocado por um ser que nos é útil, útil até mesmo para fazer a vontade dele pra nós.

O simples prazer de sua companhia e o desfrutar de sua convivência passa não fazer mais sentido em nossa sociedade tão fixada em TER.

Pode em primeiro momento parecer que estou combatendo aqueles que gostam da teologia da prosperidade e ficando do lado de fundamentalistas que pregam uma vida e uma regra de vida impossível de ser atingida, pois coloca Deus tão longe de nós que se torna inacessível – Deus pode até ser esse, inacessível, mas ele resolveu trazer para nós a acessibilidade, nos trouxe Cristo através do qual temos acesso a ele em sua inteireza.

Deus não está acima de nós ou mesmo a nossos pés, mas está conosco – ele é Emanuel. Encarnado, sofrido, vivido, tentado, desprezado, despido, vaiado, duvidado, morto, sepultado, mas além de tudo um Deus que ressuscitou e está vivo.

O fato de Cristo estar vivo e ter encarnado, para mim mostra muito mais que a questão teológica da salvação, mas adentra ao desejo dele mesmo em relacionar-se com o ser humano de forma direta e corpórea.

Tenho formação cristã e teológica baseada no que comumente chamamos de Calvinismo e acabo enxergando muito da vida e da teologia por este viés formativo, mas sei que o Calvinismo não explica a totalidade de Deus e nem mesmo pretende ser um movimento fechado em torno do Ser e da Pessoa de Deus.

Tenho pensado muito na questão de Deus e como nós, seres humanos, principalmente aqueles que pertencem a Igreja, corpo de Cristo, o vê e entendo que nossa mente está sempre atolada de termos teológicos como soberania, salvação, livre arbítrio, presciência etc e isso, a meu ver, muito tem nos atrapalhado de termos uma visão mais equilibrada da construção daquilo que Deus realmente quer ser e manifestar em nosso meio.

Quando olhamos, por exemplo, para o Éden, enxergamos um Deus tão inacessível, um Deus tão poderoso que destacamos seus grandes atos criativos – “faça-se... e assim se fez” e assim por diante. Parece que simplesmente nos esquecemos do objetivo de toda manifestação divina para nós e deixamos de lado a valorização da sua revelação – não apenas da Palavra de Deus revelada, mas a revelação da própria pessoa dele.

Lendo o texto e olhando de um prisma mais abrangente vemos Deus “vindo de tarde” para relacionar-se com Adão e Eva. Parece algo costumeiro, prazeroso, vir para conversar, ensinar, compartilhar, se revelar.

Talvez aqui a coisa mais importante nem seja o relato da Criação em si, nem mesmo da Queda humana em pecado, mas o fato de que Deus resolveu dar-se a conhecer e por isso se torna “nosso” Deus – não alguém longe, distante, poderoso, mas um Ser que resolve passear no jardim para desenvolver um relacionamento de amor, amigável, prazeroso, de cuidado com o ser humano que ele mesmo criara.

No encontro pós-queda tendemos ver um Deus irado com o pecado (como um professor meu de seminário sempre falava: coisa típica de presbiteriano) e por isso me parece que perdemos a noção exata de que Deus não está emitindo a priori condenações ou ditando maldições para que sejam executadas, mas compartilhando da dor que sente com a queda da raça humana e dizendo-lhes em palavras inteligíveis aquilo que acarretaria a sua queda, ou seja, todos os desdobramentos dos seus atos, de suas escolhas.

A própria expulsão do ser humano do jardim entendemos como sendo a manifestação de um Deus acima de tudo castigador, mas nos esquecemos de que o sair do jardim tem um propósito de proteção, pois a árvore da vida ainda continua lá e na narrativa entendemos que essa árvore daria para o ser humano a possibilidade de não morrer ante o pecado, ou seja, Deus, em sua sabedoria, desejando que a criação fosse resgatada do poder que agora a sucumbira preserva a possibilidade de um dia haver redenção – coisa que seria de todo inútil com a tomada da árvore da vida de assalto por aqueles seres já contaminados – a cena que me propõe esta visão é de uma raça humana, pecadora e caída, vivendo para sempre no meio da desgraça sem a possibilidade de redenção. Deus tem os seus planos e por isso isola a possibilidade do fruto da árvore da vida ser comido enquanto esse ser humano não estivesse pronto, através do sangue de Cristo, de ter nova vida, uma nova humanidade, surgida a partir do sacrifício dele mesmo na cruz.

Tudo isso, olhado deste prisma, me mostra que Deus sempre desejou repartir o que ele tinha com seu Filho e com o seu Espírito – relacionar-se para compartilhar da vida e não da morte.

Deus não deseja a condenação daqueles que pecaram no Éden, antes os protege para que a redenção por ele preparada desde antes da fundação do mundo possa ser real e não um ato utópico – Deus amou, por isso protege-nos de nós mesmos!

Esse é um Deus desejoso de relacionar-se conosco que durante todo o tempo da manifestação sua mesma, através de seus anjos, enviados, profetas e servos, ao longo do Antigo Testamento tem demonstrado claramente que não fica satisfeito em condenar, antes está sempre pronto para abençoar, para compartilhar daquilo que ele mesmo é conosco.

O tempo passa, desde o Éden e o ser humano continua procurando pessoal, teológica e religiosamente colocar Deus numa posição que ele nunca assumiu: de um tirano que controla a vida, que distorce os fatos, que não se importa com as pessoas, apenas com o ganho, com o resultado – Deus é transformado segundo nossa imagem.

Eventos marcantes vão acontecendo e nós, ao longo da vida, vamos entendendo Deus de acordo com nossos pressupostos e o Antigo Testamento passa e chegamos por exemplo a Jonas. Em Jonas vem mais claramente ainda esse Deus que, como disse Tiago séculos mais tarde, tem a misericórdia como sendo superior ao juízo.

Deus envia Jonas para uma cidade idólatra, sanguinária, pecadora, desgraçadamente longe dele porque está preocupado com as pessoas que estão lá e não sabem discernir a mão esquerda da direita. Jonas se recusa a ir porque quer a destruição dos seus inimigos. Deus está enviando o que ele tem de melhor para salvar a cidade – Deus sempre vai ao encontro das pessoas para salvá-las. Como no Éden, Deus sai do “seu lugar” e vai a procura do ser humano, no caso aqui os ninivitas, em busca de salvação de relacionamento: eles devem escutar o que Jonas diz e então Deus os salvaria da desgraça. Quando Jonas vê o que iria acontecer com Nínive, ou seja, Deus salvando o povo, poupando os miseráveis, os pecadores, os inimigos, os sanguinários, os duvidosos ficou extremamente revoltado com Deus porque ele resolveu ser ele – misericordioso e tardio em irar-se, se revolta com a vida, pede a morte e não entende.

Ele é uma imagem bastante parecida com a que temos hoje de nós: ouvimos Deus falar em amor, em misericórdia, em compaixão, em buscar o perdido, em amar o inimigo, mas tudo o que queremos é que Deus coloque debaixo dos seus pés todos aqueles que não fazem a vontade dele – vontade dele que passa necessariamente por nosso viés – na verdade, é que não fazem a nossa forma de fazer a vontade de Deus. O diferente, o necessitado de graça, o que peca, o que não consegue mudar sua condição de ser diferente... todos estes e mais alguns são alvo de nossa ação como Jonas. Podemos até falar do evangelho para eles, mas torcemos para que não aceitem e queimem no inferno.

Creio que Deus olhando para toda a situação do gênero humano e entendendo como somos planejou algo melhor pra nós – pensando em como teríamos dificuldade em aceitar ouvir de outro.

Não entendemos de graça, apenas falamos dela. Não conhecemos verdadeiramente o perdão, apenas dizemos as palavras. Não conhecemos a misericórdia apenas executamos juízo.

Transformamos Deus em um ser que se amolda ao nosso caráter ou aos nossos desejos. Deus é útil. Útil para aplicar sobre nós a sua vontade, desde que essa vontade satisfaça aos desejos do meu coração.

Creio que há muito que podemos fazer para mudar isso, mas tudo sempre passará por reconhecer que Deus é Deus e que somos apenas seus filhos, suas criaturas, seres humanos necessitados mais da Graça do que de qualquer outra coisa na vida.

C. S. Lewis resume bem tudo isso dizendo:

“Tudo que não é eterno é eternamente inútil”.

Olhar pra Deus e querer viver nossa vida necessariamente tem que passar pelos valores de Deus. Nossos valores são transitórios, nos preocupamos com as coisas, somos pobres, porque a única coisa que temos geralmente é apego aos bens, ao que construímos nossos “castelos de areia”.

Os valores de Deus são eternos, como ele mesmo é. O dia em que aprendermos a viver a ética do Reino, os valores do Reino, a enxergar como Deus enxerga, a viver como Deus vive, a amar como Deus ama, a desejar o que ele deseja... bem acho que neste dia iremos morrer e estaremos com Deus.

Que Deus nos ajude a pensar com a visão que ele mesmo coloca em nós através do seu Espírito.


Fonte: http://www.irmaos.com/artigos/?coluna=teologia

Um comentário:

  1. Tomamos a liberdade de postar este texto em nosso blog... muito edificante, já estamos seguindo...
    Segue agente tbm http://ministeriodeadoracaocasadedavi.blogspot.com/

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